Voltar ao site

Jurema e Nicinha: Duas mulheres negras, faveladas e lésbicas nos contam sobre como é e tem sido essa construção mútua de vida, família e amor

· Destaques das favelas

 

broken image

Juremae Nicinha: Duas mulheres negras, faveladas e lésbicas nos contam sobre como é etem sido essa construção mútua de vida, família e amor 

Estamos em agosto e este é o mês que celebra o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, e o ‘Destaques de Favelas’, uma iniciativa da Mandata da Renata Souza, traz um pouco da história de amor entre duas mulheres negras e que recentemente virou série documental da Netflix: 'Meu amor - Seis histórias de amor verdadeiro'. É isso mesmo, você vai conhecer um pouquinho da Jurema Gomes e Maria Eunice Lacerda (Nicinha). Elas são moradoras da Rocinha, favela da Zona Sul do Rio de Janeiro, e vão falar sobre suas histórias, sobre a vida na favela e como foi e tem sido construir dia a dia um lar. A partir dessa história de amor e resistência, queremos também homenagear todas as outras mulheres negras e faveladas que reconstroem as suas histórias todos os dias impactando outras vidas, outras mulheres da favela e do asfalto.

Jurema, de 66 anos, disse que perdeu a mãe muito cedo, com 15 anos de idade. O seu pai também faleceu quando ela ainda era criança, tinha apenas 8 anos. “Nasci e me criei na Rocinha, aqui tive os meus filhos. Ao todo são quatro. Não foi fácil criá-los. Trabalhei muito. Carreguei muito material para os outros. Carregava água na cabeça e vivi desse jeito”, falou. A história de Nicinha, de 59 anos, é bem parecida com a de Jurema. Nicinha nos contou que nasceu em casa, na Rocinha, “lembro um pouco da história da minha mãe. Meu pai não foi um homem presente na minha vida. Minha mãe veio de Petrópolis. Ela morava numa casa de madeira, não tinha nem vaso, não tinha um rádio e nem televisão. Tínhamos um fogão a lenha e ela trabalhava em casa da família. Criou os 12 filhos como doméstica”, revelou. 

Ainda sobre a infância nesta enorme favela que é a Rocinha, Nicinha afirmou que “a memória que guardo da Rocinha de décadas atrás é muito boa. Antes era tipo uma roça mesmo. Lembro que tinha boi, vaca, muita fruta, era tudo cercado. Uma infância que os adolescentes que estão nascendo agora não tem”, contou. Para quem não tá ligada (o), a Rocinha é considerada há décadas como uma das maiores favelas do Rio de Janeiro, tem população de mais de 100 mil pessoas e é muito conhecida por suas construções populares, assim como o comércio local, a comunicação comunitária, as festas de rua, dentre outras coisas. 

E foi em uma dessas festas de rua, no baile, na famosa Rua 01 da Rocinha que Jurema conheceu a Nicinha. “A gente virou muito amiga, ela ficava lá em casa. Arrumei um trabalho em casa de família e ela foi criando os meus filhos. A gente se aproximou uma da outra. Gostamos uma da outra e continuamos juntas até hoje”. Nicinha contou também que já passaram por inúmeras dificuldades juntas ao longo dos anos, "teve uma época que ficamos desempregadas com filhos pequenos. Aquela coisa de não conseguir arrumar trabalho. Durante um tempo, em meio às dificuldades, eu resolvi sair escondida para o sinal com meus filhos pequenos. O bom é que conseguimos nos reerguer apoiando uma à outra. A nossa história é marcada por isso também, uma criando os filhos da outra, é assim que estamos até hoje”.

Para terminar esse papo, em meio a tantas lembranças, tantas dificuldades, mas também muito apoio mútuo entre as duas, elas falaram sobre a decisão de participar da série, o que para elas significava mais que contar o que vivem e suas histórias de amor, vida, trabalho e família, mas é um espelho para que outras e outros também tenham a coragem de viver o que desejam. As duas reconhecem o quanto mostrar um pouco sobre as suas vidas pode fazer diferença na vida de tantas outras mulheres, ainda mais em um país que todos os dias mata mulheres lésbicas: “Resolvi participar dessa série para contar para o mundo um pouco da nossa vida”, disse Jurema e, Nicinha finalizou afirmando que “a gente achava que nossa história era escondida, mas não era, mas também não importa pra gente, porque o nosso amor é mais forte do que a opinião do outro”, completou.