'Violência política de gênero mata': lançamento de documentário reúne pesquisadores e parlamentares

"Violência política de gênero mata física e simbolicamente". A fala de uma parlamentar durante a roda de conversa de lançamento do documentário "Nossas lutas, nossas vozes" expressa bem o impacto de silenciamentos, assédios, ameaças e outras manifestações violentas na trajetória política e no cotidiano de mulheres em espaços de poder, especialmente em sua saúde física e mental. Fruto de uma pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), coordenada pela pesquisadora Vera Marques, o filme teve sua estreia nesta terça-feira (13/5), na cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. A iniciativa é uma parceria da ENSP com a VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz. "Nossas lutas, nossas vozes" está disponível em acesso aberto no canal da VideoSaúde no Youtube e na Fioflix, plataforma de streaming de filmes e vídeos da Fundação.
Na abertura do evento, a pesquisadora Vera Marques, do Departamento de Estudos Sobre Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/ENSP), afirmou que o documentário é um produto de divulgação científica, um desdobramento da etapa de entrevistas da pesquisa "Violência Política de Gênero, discursos de ódio e desinformação em interface com a saúde", selecionada pelo Edital de Pesquisa 2021, lançado pela ENSP/Fiocruz, por meio da Vice-Direção de Pesquisa e Inovação. A partir da conversa com 11 lideranças políticas de diferentes partidos e regiões do país, o curta-metragem traz relatos de dor, assim como revela estratégias de enfrentamento e os efeitos na saúde da violência política de gênero e raça. "A arte entra como uma linguagem muito potente para falar de ciência para o grande público. Assim, conseguimos democratizar o conhecimento e contribuir com o debate", refletiu Vera.
A coordenadora-geral de pesquisa do Observatório Nacional da Mulher na Política, da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, Ana Cláudia Oliveira, reforçou a alegria em ver o tema abordado no formato de um documentário: "vai chegar em muita gente que não se depara com esse assunto em seu cotidiano". Para a coordenadora, é imprescindível fazer com que a violência política motivada por gênero e raça seja conhecida para que sejam reconhecidos os prejuízos dela para a democracia, para as mulheres e para a sociedade como um todo. "Essa violência está atingindo o seu objetivo: não apenas faz com que as mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+ desistam da política, mas também que não se enxerguem e nem queiram estar naquele espaço", declarou. Por isso, Ana Cláudia defendeu que não é suficiente trabalhar na ótica punitivista, de aplicar penas duras aos violadores, mas é igualmente essencial cuidar da saúde mental das lideranças agredidas.
"O filme impacta muito, a partir do relato das vivências das entrevistadas, porque são muitas violências sobrepostas", analisou a pesquisadora da ENSP, Cristiani Vieira Machado. Frente aos obstáculos, como o preconceito, a falta de espaço para candidaturas femininas e os poucos recursos destinados às suas campanhas, a pesquisadora considerou que a batalha começa antes de serem eleitas e continua após elas ocuparem o cenário político. "Depois de todas as barreiras, chegam lá para sentir e ouvir, direta ou indiretamente, que o seu lugar não é ali", lamentou. Cristiani ainda ressaltou o caráter educativo que o documentário assume, uma vez que pode alcançar públicos diversos e conscientizar diferentes grupos sociais, fomentando o debate e o enfrentamento do problema.
Para Daniela Muzi, coordenadora da VideoSaúde Distribuidora, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), o objetivo da criação do documentário era ser capaz de tocar corações para além dos campos da saúde e da ciência. "Toda a equipe da VideoSaúde se sentiu convocada a lutar. A nossa forma de lutar é ampliar o alcance dessas vozes por meio da linguagem audiovisual e transformar a pesquisa em uma narrativa documental, articulando estratégias de comunicação e de divulgação científica, por meio das nossas redes de distribuição", declarou. Daniela reforçou que garantir o acesso à informação e à comunicação é determinante para garantir outros direitos, como direito à saúde e à cidadania. Assim, a coordenadora da distribuidora de vídeos da Fiocruz recuperou as palavras do sanitarista Sergio Arouca: "Saúde é democracia, democracia é saúde".
Uma das entrevistadas para o filme, a deputada estadual do Rio de Janeiro Renata Souza, que também participou do lançamento, falou sobre feminicídio político. Segundo a parlamentar, a expressão que cunhou durante o pós-doutorado na Universidade Federal Fluminense não busca criar uma nova tipificação penal, mas reconhecer que "a violência política de gênero mata física e simbolicamente, ela inviabiliza que possamos viver a política em plenitude". Renata destacou que o feminicídio político afeta, além de mulheres eleitas, aquelas atuantes em movimentos sociais. "A violência política de gênero é um problema de toda a sociedade, porque, quando as mulheres entram nos espaços de poder, elas não lutam apenas pelos 52% de brasileiras, lutamos para mudar a vida de todo mundo. Então, sigamos na luta", concluiu a deputada.
"Além de um filme, foi importante pensar no documentário como um produto audiovisual com responsabilidade ética, de produção científica, de uma ferramenta de reflexão, capaz de aproximar um tema que, principalmente a gente como homem, afasta", compartilhou o diretor de "Nossas lutas, nossas vozes", Edilano Cavalcante. Ele reforçou a importância de permitir que a temática chegue ao grande público. O diretor também contou que o processo de criação foi feito a muitas mãos e o classificou como uma oportunidade de aprender e contribuir com a divulgação científica.
A assessora da vereadora Dani Monteiro, Maiara Barbosa, destacou a importância de abordar a saúde mental das mulheres em espaços políticos, um dos enfoques principais do documentário: "ficamos muito adoecidas, principalmente mulheres negras, e precisamos falar sobre isso". A assessora criticou a narrativa das mulheres sempre fortes, que precisam endurecer para sobreviver na política, porque essa visão não reconhece o adoecimento e impede o debate sobre saúde mental das vítimas de violência de gênero. "Se é importante ter mulheres, negras, trabalhadoras, no espaço da política, é importante que possamos estar lá com qualidade de vida, com saúde mental, com força”, defendeu.
Segundo a vereadora de Niterói (RJ) Benny Briolly, discutir a violência política envolve toda a perspectiva de gênero no Brasil, que é um país forjado na violência contra as mulheres. Para ela, o fenômeno é diário, dentro e fora dos três Poderes. "O corpo feminino é político. Quando ele exerce funções de fala, de poder, é violentado, porque ele não é lido como pertencente nesse lugar", afirmou. A vereadora apontou que a violência política de gênero foi ensinada para a sociedade e é reproduzida nas instituições, o que limita a participação feminina. Benny apontou que o seu desejo é de ver mais mulheres na política, mas questionou os sofrimentos enfrentados: "só quem passa e acompanha os processos eleitorais sabe o quanto é difícil continuar sendo a preta, forte, que não abaixa a cabeça, que resolve a vida de todo mundo, mas, no final, quem resolve a nossa vida?".
Fiocruz