Vereadoras relatam violência de gênero nos plenários das Câmaras de Vereadores no RS
Na mesma audiência da CCDH, na sexta-feira (27), vereadoras de Passo Fundo, Cidreira, Canoas, Viamão e a prefeita de Balneário Pinhal, além de outros depoimentos em vídeo, relataram casos de violência política de gênero que vivenciaram nos últimos, nos espaços legislativos das Câmaras de Vereadores de seus municípios, em especial no plenário, quando suas argumentações políticas, no tempo regimental, foram interrompidas através da prática do bloqueio da voz pelo presidente ou outro membro da Mesa. E pior que isso, as agressões verbais feitas por vereadores contra as mesmas, nesse mesmo espaço de manifestação parlamentar, no modelo de intimidação e apagamento que define a violência política de gênero, como forma de constranger e anular as vozes femininas legisladoras.
A vereadora Eva Valéria, do PT, é a única mulher na Câmara de Passo Fundo na atual legislatura. Ela é advogada e Promotora Legal Popular, e no segundo turno das eleições de 2022 sofreu violência política de gênero de vereador da extrema direita, fez representação na Comissão de Ética mas foi arquivado. Há poucos dias, abordou da tribuna a guerra no Oriente Médio e os ataques de Israel contra o povo palestino e pontuou os crimes de guerra, mas teve sua fala interrompida, fez Pedido de Providências para o Presidente da Câmara, mas não conseguiu retomar a palavra da tribuna. Isso não acontece quando os homens manifestam suas opiniões, disse Eva, que identifica nesses episódios os componentes para que as mulheres desistam da política.
A prefeita Marta Tedesco de Balneário Pinhal, que foi vereadora durante dois mandatos, contou sobre declaração de vereador, da tribuna, dizendo que ela deveria voltar para casa, para lavar e passar roupa, e fazer essa tarefa como castigo. A manifestação alcançou repercussão na imprensa, através do Departamento de Gênero da FAMURS, Marta registrou Boletim de Ocorrência uma vez que a Câmara não tinha Comissão de Ética. Foi a terceira agressão praticada pelo mesmo vereador contra a prefeita.
A vereadora Maria Eunice, do PT de Canoas, iniciou a militância como dirigente sindical no Sindicato dos Metalúrgicos, em 1981, naquela época tinha outra companheira que ingressou e não ficou seis meses porque não suportou”, a categoria era 95% de homens, 70 homens numa direção, “mas eu decidi não desistir”. E agora, na Câmara Municipal, encontra ambiente machista e misógino. Ela sugeriu uma comissão para tratar da habitação popular e foi rechaçada, alegaram (os homens) que o Regimento Interno não contemplava o tema e não deixaram a vereadora participar da Comissão do Processo de Reintegração de Posse. A tensão seguiu e ela recebeu acusações da presidência da Câmara, fez registro de BO em 2017 na Delegacia da Mulher, que não queria registrar. E quanto voltou para a Câmara, todos sabiam da denúncia e foi ameaçada, “recebi recado de que não esquecesse que ele sabia onde eu morava”. Nos episódios que envolveram o prefeito Jairo Jorge, de cassação do mandato, ela foi contra e adotou estratégias para conseguir se manifestar, como fazer a última intervenção, mas mesmo assim teve o microfone desligado enquanto o adversário político seguia falando, “mesmo com a legislação atual eles continuam tendo práticas machistas e misóginas”.
Racismo dita as regras para as vereadoras negras
A vereadora Fátima Maria, de Viamão, foi eleita a primeira mulher negra pelo PT, em mandato coletivo de cinco mulheres negras. “Para nós mulheres negras é pior, o que mais doi é não admitirem que podemos ocupar aquele espaço e duvidar quando chegamos num lugar, e depois é não ouvir, como se aquilo não tivesse sentido para os homens, eles começam a conversar, quando chegamos é desrespeito total”, desabafou. Fátima Maria sugeriu a formação de uma Frente Parlamentar da ALRS para debater o tema nos municípios.
A vereadora Tatiane, de Cidreira, teve episódio em que foi convidada a deixar o plenário, numa sessão tumultuada, com a alegação de que assim o ambiente ficaria mais calmo para que os demais continuassem a falar. “Sofremos violência todo o dia no plenário”, e ela é perseguida por candidato a prefeito que não se elegeu, representou contra o mesmo e o juiz declinou para crime contra a honra e não com responsabilização política. Tudo isso assusta outras mulheres que teriam potencial para se eleger, mas desistem das disputas, lamentou.
Nos depoimentos, a vereadora Gabriela Ortiz, de Sapucaia do Sul, através de vídeo, contou sua experiência, que diferente do que se imagina, de levar tapa na cara, o que aconteceu foi o corte do microfone durante sua manifestação, ou tentar falar e não ter a palavra em reuniões, ficando por última, quando todos já se retiraram. Esses conteúdos estão no seu trabalho de mestrado na UFRGS sobre violência política de gênero. Na disputa eleitoral, ela recebeu ameaças de estupro, “às vezes as parlamentares vivem a violência e não percebem que estão sendo vítimas de violência política de gênero”, observou.
Através de vídeo, também as vereadores Rose Frigeri e Stela, do PT de Caxias do Sul, e Regina, de Rio Grande, relataram suas experiências e os desgastes nos embates em plenário para se defenderem e participarem em igualdade de condições.
Do Rio de Janeiro, a deputada Renata Souza, do PSOL, presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa, disse que apresentou projeto de resolução reconhecendo a violência política de gênero como quebra de decoro parlamentar, e sugeriu esse mecanismo nas demais casas legislativas. Alertou para a tentativa na Câmara Federal para fraudar a verba para as candidaturas femininas, e também para ameaças contra a vida, como aconteceu com a vereadora Marielle Franco.
A seguir, o debate foi sobre o Papel das organizações na luta contra a violência política de gênero, com depoimentos de Rúbia ABS da Cruz, do Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher; Miriam Fonseca, da área Técnica da Mulher na Famurs; Piti Barbosa, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais; Vanja, da União Brasileira de Mulheres, que anunciou o plano Brasil Sem Misoginia; Mara Feltes, do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher; Berta, da UNEGRO; Andreia Marta Ritter, da Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica, do Movimento 50/50; Helen Perrella, do Conselho Nacional dos Direitos Humanos; e Coletivo Preta Velha.
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