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Família de João Pedro acusa policiais de terem levado celulares dos jovens que estavam na casa

· Matérias

RIO — Parentes e familiares do adolescente João Pedro Matos Pinto, de 14 anos, morto por um tiro de fuzil na barriga dentro de casa, na Ilha de Itaóca, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, afirmam que três celulares dos jovens encurralados na residência foram apreendidos pelos três policiais civis da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) autores dos disparos. Inclusive o aparelho que pertencia à vítima.

Pelo Twitter, Rafaela Cassiano, amiga dos jovens, cobrou do governador do Rio, Wilson Witzel, uma posição sobre a apreensão dos celulares. Em resposta ao governador, que havia acabado de enviar uma mensagem de solidariedade, afirmando que os culpados serão responsabilizados e ressaltando que também é pai e que entende essa dor, Rafaela respondeu:

"Mas quem vai investigar? Levaram o celular do João Pedro. Levaram os celulares dos meninos que estavam juntos. Para quê? Já iniciaram uma investigação entre eles ou então começaram ali mesmo a destruição de provas concretas de um assassinato? O senhor é pai de filho negro e favelado?", questionou.

Procurada, a Polícia Civil ainda não respondeu o questionamento do GLOBO até o fim da manhã desta quarta-feira. Ainda não se sabe se os celulares foram entregues à Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo (DHNSG), responsável pela investigação do caso, ou se foram destruídos. O paradeiro dos equipamentos ainda é desconhecido, embora o governador já tenha ciência do que aconteceu através das mensagens no Twitter.

Casa tem cerca de 72 marcas de tiros

A dimensão da violência praticada por policiais civis no interior da casa onde o adolescente João Pedro Matos Pinto, de 14 anos, foi atingido por um tiro na barriga, em Itaoca, São Gonçalo, pode ser sentida na contagem do número de marcas de balas que atingiram paredes e equipamentos, como uma televisão. Foram pelo menos 72 tiros disparados dentro da casa, que é usada pela família como área de lazer.

A contagem foi feita por líderes comunitários que estiveram na residência para documentar o que aconteceu. Entre eles estava a presidente da Associação de Moradores da Itaoca, Jack Silva, amiga da família de João Pedro, que ficou perplexa com o que viu.

— Quando uma mãe chora todas choram. Queremos justiça e respeito com os moradores da Ilha de Itaoca e todas as comunidades. Por que perdemos uma criança de 14 anos dentro de sua casa, exterminada por policiais que deveriam cuidar de sua segurança e não tirar a sua vida? Contamos 72 marcas de tiros. Uma coisa inacreditável! Sonhos interrompidos, família e amigos destroçados. As crianças que sobreviveram com o psicológico abalado e traumatizados para o resto da vida — diz a presidente da associação de moradores, que complementa:

— Uma ilha de pescadores que vive com tanto sacrifício, onde falta a presença do poder público, falta saneamento básico, transporte, saúde... E quando eles vêm é para matar nossas crianças, quebrar casa de moradores. O povo não aguenta mais. Vamos dar um basta nessas inserções, quando nossas crianças estão em casa devido à pandemia da Covid-19 — desabafou Jack.

O adolescente João Pedro, morto após ser baleado em ação policial Foto: Reprodução

Ela e um outro líder comunitário Tchetcheco, do bairro Trindade, foram nesta terça-feira, dia 19, até a casa e gravar vídeos mostrando a destruição. Eles foram filmados por um representante da ONG Rio de Paz, que presta assistência à família do jovem. As imagens impactantes mostram que a casa foi metralhada e que balas atingiram paredes de alto a baixo, uma televisão e outros equipamentos. Os dois se dispuseram a contar o número de tiros: pelo menos 72.

Amiga da família, Jack Silva postou, às 10h12m de terça-feira no Facebook a notícia da morte de João Pedro. Rapidamente, a postagem recebeu quase 8 mil compartilhamentos. E mais de duas dezenas de comentários lamentando o ocorrido.

Representação à ONU

O deputado federal Marcelo Freixo e a deputada estadual Renata Souza (ambos dos PSOL) encaminharam uma representação à Organização das Nações Unidas (ONU) pedindo uma investigação independente para apurar as circunstâncias do caso e punir os culpados.

O dia seguinte à morte de João Pedro está sendo muito difícil para a família. Ninguém consegue entrar na casa onde um adolescente foi atingido por um tiro na barriga. As marcas de bala ainda mexem com os sentimentos dos parentes. Tia de João Pedro, Denise Roza, passou a noite em claro e não conseguiu ir até a residência para pegar roupas suas que estão lá. A casa é dividida por toda a família. É uma residência de lazer para encontros em fins de semana.