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CPI da Alerj aponta falhas no reconhecimento por foto em Niterói

Em visita a delegacia da cidade, deputada que preside a comissão encontrou arquivos em preto e branco; Polícia Civil afirma que imagens passam por perícia

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CPI da Alerj aponta falhas no reconhecimento por foto em Niterói

Em visita a delegacia da cidade, deputada que preside a comissão encontrou arquivos em preto e branco; Polícia Civil afirma que imagens passam por perícia

Durante visita técnica realizada no fim do ano passado, a presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Reconhecimento Fotográfico nas Delegacias, deputada estadual Renata Souza (PSOL), constatou uma série de falhas no procedimento de identificação facial de pessoas no arquivo da 76º DP, no Centro de Niterói. Dentre os principais problemas, a parlamentar apontou a dificuldade de reconhecer as fotos de suspeitos presentes em álbuns, o fato de as imagens não serem periciadas pelo Instituto Félix Pacheco (IFP) e a falta de informações sobre a origem das reproduções. Outro fato que chamou a atenção da deputada foi a apresentação das fotos em preto e branco. A comissão agora pretende levar para votação na Alerj o relatório final contendo as sugestões de aprimoramentos da técnica de identificação de suspeitos. A previsão é que isso aconteça na primeira quinzena de maio.  

De acordo com a deputada, a visita foi realizada naquela unidade porque a CPI recebeu relatos de vítimas de reconhecimento equivocado na delegacia, sendo os mais conhecidos os casos do educador Danillo Félix e do músico Luiz Carlos Justino, ambos em 2020.

— Indaguei a titular da delegacia qual era o caminho que as fotos faziam para chegar aos arquivos da unidade, e ela não soube me responder. Além disso, as fotografias foram apresentadas como um mosaico de retratos. Pela dificuldade em identificar as pessoas pela tela, solicitei uma versão impressa, que veio em preto e branco. Quando perguntei se havia uma cópia colorida, a delegada me informou que a impressora estava quebrada — conta Renata, destacando ainda que a delegada titular Natacha Oliveira não estava à frente da DP quando os fatos citados aconteceram.

Ainda sobre a visita, a deputada destaca que buscou percorrer o caminho de uma vítima ao chegar à delegacia e utilizar o mecanismo como prova. Mesmo sem estar sob forte estresse causado por uma situação de violência, ela contou que teve dificuldade de realizar distinções entre os rostos catalogados.

—Nosso principal objetivo é mitigar o efeito danoso do reconhecimento fotográfico. Ele não pode ser um instrumento único para investigação. Atualmente, não há mecanismos legais que regulamentem esta prática —relata.

Além das diversas falhas no sistema das delegacias, a também deputada estadual Verônica Lima (PT), membro da comissão, aponta o caráter racista da medida ao lembrar um estudo realizado pela Defensoria Pública do Rio, em 2022. O levantamento mostra que 80% dos inquéritos policiais no estado do Rio usaram reconhecimento fotográfico mesmo após recomendação contrária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Foram revisadas 109 investigações que tratam de roubos ocorridos entre dezembro de 2022 e junho de 2023. Do total de suspeitos, a pesquisa ressalta o perfil dos acusados: homem e negro.  

— Nesses meses de CPI, vimos que existe um recorte de racismo nos erros de identificação de suspeitos por reconhecimento fotográfico: 83% dos presos injustamente são negros, enquanto apenas 55% da população se identificam assim. Vimos também uma responsabilidade direta das autoridades no uso equivocado dessas imagens — defende.

O músico Luiz Justino foi levado para a delegacia em duas ocasiões, num intervalo de dois anos, após abordagens de policiais militares na rua. Em ambos os casos, ele ouviu que na identificação de sua foto constava a suspeita de que tivesse participado de um assalto a mão armada, crime que não cometeu.

— Acabei me tornando uma espécie de voz coletiva dos jovens negros que passaram pela mesma situação. Quando tudo aconteceu, nem poderia imaginar a mobilização ao meu redor. Teve até gente de outros países. Não posso negar que a cicatriz vai ficar para sempre; ainda tenho medo de sair em certos horários e de andar com a minha filha sozinho, por exemplo. Espero que essa situação possa mudar o mais rápido possível — torce.

  • Outras provas técnicas

Em nota, a Secretaria de Estado de Polícia Civil (Sepol) afirma que o reconhecimento fotográfico é diligência de investigação e que as perícias nas imagens são realizadas pelo Instituto de Identificação Félix Pacheco (IFP) a partir da requisição da autoridade policial, quando há necessidade de confronto entre uma imagem de rosto da pessoa suspeita e a base de dados.

“A Sepol esclarece que não orienta a utilização, de forma exclusiva, do reconhecimento indireto por fotografia como única prova em inquéritos policiais ou para pedidos de prisão de suspeitos. O reconhecimento por fotografias, método aceito por lei, é um instrumento importante para o início de uma investigação, mas deve ser corroborado por outras provas técnicas e testemunhais, conforme prevê a Portaria Sepol que regulamenta a questão, estabelecendo protocolos para utilização e norteando o trabalho das unidades policiais”, diz a nota

O Globo

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