Contra o racismo e violência de gênero. Renata Souza, reeleita para a Alerj, seguirá em sua luta
Terceira Deputada Estadual mais votada do RJ, Renata Souza (PSOL) fala sobre suas frentes de trabalho nos próximos quatro anos de mandato.
A vida nas comunidades do Rio de Janeiro não é fácil. Ser mulher e negra, então, torna o dia a dia de milhares de pessoas ainda mais difícil. É um alento, portanto, se ver representada por parlamentares que abraçam com unhas e dentes a defesa das bandeiras de seus iguais. Uma destas representantes é Renata Souza, deputada estadual reeleita com 174.137 votos.
A Deputada Estadual Renata Souza: Após mais de 300 iniciativas legislativas, o trabalho continua.
Confira a entrevista com Renata Souza (PSOL)
Conexão Fluminense – Você foi eleita em 2018 como Deputada Estadual com 63.937 votos, sendo o melhor desempenho da esquerda na corrida à Alerj. Neste ano, é reeleita com 174.137 votos, sendo a mulher mais votada entre as candidatas a deputada estadual. A sensação é de dever cumprido ou ainda tem muito trabalho pela frente?
Renata Souza – Os dois sentimentos são verdadeiros. Este primeiro mandato como deputada estadual me dá a sensação do dever cumprido, porque é o resultado de um trabalho coletivo intenso e cotidiano. Foram mais de 300 iniciativas legislativas, 39 leis aprovadas, dezenas de audiências públicas, centenas de reuniões com autoridades, com movimentos e organizações, e de visitas a comunidades e municípios do estado, de pessoas ouvidas e acolhidas nas mais diversas demandas.
Enfim, conseguimos ocupar a política com uma mandata que consegue impactar diretamente na vida das pessoas, especialmente as pessoas que mais enfrentam o racismo estrutural e o patriarcado, em especial pela violência genocida do Estado, pela miséria, a fome, a falta de moradia, a violência de gênero, entre outras formas de opressão, de exploração e de promoção das desigualdades.
CF – O Brasil e mais especificamente o Rio de Janeiro vive nos últimos anos ameaças aos pilares dos Direitos Humanos. Qual o motivo dessa escalada de violência?
RS – Existe uma indústria da violência. A violência é um negócio muito lucrativo pra setores de uma elite branca que usa o Estado e a mídia para garantir a perpetuação da violência. Por isso a violência é intensa e cotidiana. Há uma narrativa usada de forma sistemática e cotidianamente para parec er possível justificar o injustificável, que é a histórica criminalização e o genocídio da juventude negra, pobre e favelada.
Para que essa política racista perdure, também se produz um discurso difamante e caluniosa contra aqueles que questionam esse modelo e contra os valores universais que pautam os direitos humanos. O Brasil se tornou inclusive campeão em crimes contra defensores de direitos humanos e do meio ambiente.
Durante o governo Bolsonaro essa situação tem se agravado porque o bolsonarismo intensifica o uso da comunicação violenta. E o discurso do presidente cria um ambiente autorizativo e até perigosamente convidativo para a violência de Estado e a violência civil contra especialmente povos originários, pessoas negras, pobres e faveladas, principalmente mulheres e LGBTQIA+.
A própria violência política se intensifica e se volta principalmente contra o movimento de ocupação da política, numa lógica contra-hegemônica, por defensores dos direitos humanos, mulheres pretas, por pessoas LGBTQIA+. É importante lembrar que o Rio é o berço de origem desse projeto bolsonarista de caráter fascista, portanto autoritário e violência por essência. E também é importante destacar o histórico de dominância expansiva no Rio da instrumentalização da política por representantes do crime organizado por dentro do Estado, com destaque para as milícias, que hoje controlam mais da metade dos territórios do Rio.
O feminicídio político de Marielle ainda não tem uma resposta do Estado sobre quem mandou matá-la, mas, sem dúvida, esse crime terrível foi um recado sombrio desse setor da política fluminense que lucra e quer lucrar cada vez mais com a barbárie, com o negócio das armas que matam de forma seletiva negros e pobres em nosso estado e no país.
A incessante e infame guerra às drogas nas favelas é uma cortina de fumaça pra esse negócio criminoso. Drogas afinal são vendidas e consumidas em todo o território e deveriam ser tratadas como assunto da saúde pública. Mas só usam fuzis nas favelas e nas periferias. E movido por um medo forjado por essa máfia, o eleitorado fluminense insiste em acreditar na falsa ideia de que segurança pública se conquista com essa guerra estúpida. Segurança pública se conquista com garantia de diretos, com proteção social, saúde, educação, moradia, segurança alimentar, liberdade de expressão, de organização política e de religião, respeito, enfim, à maravilhosa diversidade humana.
“A favela é vitoriosa todo dia porque é expressão da resistência de um povo massacrado deste os tempos coloniais da escravidão.”Renata Souza, Deputada Estadual (PSOL)
CF – A frase “a favela venceu” saiu dos guetos e ganhou o mundo em várias áreas. Mas a realidade do morador das comunidades do Rio ainda está distante de boas condições de Desenvolvimento Humano. Como mudar o cenário?
RS – A favela é vitoriosa todo dia porque é expressão da resistência de um povo massacrado deste os tempos coloniais da escravidão. A favela resiste à guerra armada racista movida contra ela pelo próprio Estado que deveria prover as políticas públicas em defesa da vida e dos direitos da sua população. Se houve alguma melhora das condições de vida em algumas comunidades isso ocorreu como resultado de muita luta.
Mas enquanto a principal presença do Estado nas favelas for a do seu braço policial, ainda estaremos de fato muito distantes de uma realidade digna dos direitos humanos. A mudança estrutural dessa realidade será realidade um dia e será uma conquista do crescente ganho de consciência de classe e da capacidade de organização coletiva e de mobilização do povo negro e favelado para as suas lutas necessárias. Seremos nós que vamos conquistar enfim a democracia e a nossa efetiva liberdade.
CF – Os casos de feminicídio cresceram 73% em cinco anos no estado do Rio de Janeiro. Como atuar em casos de cidades distantes dos holofotes da capital?
RS – Esse aumento do número de casos de feminicídio está relacionado a esse ascenso do fascismo, sempre articulado com o machismo, que nega igualdade de direitos às mulheres e tenta nos subordinar como se pudéssemos ser propriedades dos homens. Também tem aumentado o número de estupros e de outras formas de violência contra mulheres. Eu mesma tenho enfrentado cotidianamente a violência política de gênero na Alerj, um espaço predominantemente ainda elitista, branco e masculino. São necessárias diversas frentes de combate à violência contra a mulher.
Precisamos rever, por exemplo, o modo como se constrói esse discurso que libera homens para violentar e matar mulheres, que cria uma moldura passional para os crimes e que em geral culpabiliza de forma absurda as próprias vítimas. Precisamos fortalecer e expandir a rede de acolhimento e atendimento às demandas das mulheres.
Precisamos ter políticas preventivas, protetivas e também políticas de tratamento dos crimes que garantam rigor e celeridade nas investigações, para a identificação e responsabilização dos autores. Precisamos de mais centros municipais de referência e de mais delegacias da mulher no interior. Assim como precisamos de mais investimentos em campanhas nas escolas e na sociedade para o desenvolvimento de uma nova cultura superadora dessa brutal herança patriarcal.
CF – Qual serão suas principais frentes de trabalho nos próximos quatro anos de mandato na Alerj?
RS – Pretendemos aprimorar, fortalecer e avançar nas nossas frentes históricas, na defesa radical dos direitos humanos, do combate intransigente ao racismo estrutural, às desigualdades e violências de classe, de religião, de gênero e de orientação sexual, ao desemprego, à miséria, à fome, à segregação e ao genocídio do povo negro e favelado. Nossa luta é pela própria sobrevivência do nosso povo. Não seremos interrompidas!
Conexão Fluminennse