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Caso Ágatha: especialistas e artistas criticam política de segurança do Estado

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Além da comoção geral, a morte de Ágatha Vitória Sales Felix, de 8 anos, baleada na noite de sexta-feira quando voltava para casa no Complexo do Alemão, acompanhada da mãe depois de um dia de passeio, gerou também diversas críticas à política de enfrentamento da criminalidade adotada pelo governo do Estado. Para especialistas, a morte de inocentes é um preço muito alto pago pelo combate da violência. Artistas também foram às redes sociais para se manifestar contrários à ação que resultou no óbito. A menina é a 5ª criança morta por bala perdida esse ano e a 57ª desde 2007, conforme levantamento da ONG Rio de Paz.

— A morte da Ágatha é a consequencia natural de uma política oficial que estimula os policiais a dispararem e a matarem, prometendo inclusive que eles não serão investigados. Quando o policial decide na hora quem deve morrer, haverá sempre casos como este. Na históriado Rio, casos de "erro" policial, com vítimas escancaradamente inocentes, ajudaram a conter, temporariamente, a letalidade policial. Só que este governo acha que a morte de inocentes é o preço justo a pagar pela sua política de extermínio. Infelizmente, os inocentes mortos sao sempre os mesmos. Os filhos dos que tomam essas decisões não são atingidos, pois eles moram em lugares onde a polícia se comporta como tal e não como uma força de extermínio — crititou Ignácio Cano, sociólogo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

José Vicente da Silva Filho, coronel reformado da PM de São Paulo, ex-secretário nacional de Segurança Pública e conselheiro do Instituto Brasileiro de Segurança Pública e Justiça disse esperar que esse episódio possa servir como um ponto de inflexão na política de segurança do Rio. Avô de três netos com a mesma idade da menina Ágatha, o especialista acredita que o discurso do confronto enfatizado pelo governador Wilson Witzel leva a consequências desastrosas, ainda que resultados estatísticos sejam favoráveis. Ele diz ainda que “com o estímulo político no gatilho uma policial acaba atirando num motociclista em fuga sem sofrer a ameaça que garantiria legalidade ao seu ato”, podendo nesse caso, “haver culpas solidárias nesse ato isolado.”

— Em segurança pública não existe política ou operação a qualquer custo, se efeitos colaterais podem ser a vida e o bem-estar de inocentes. O papel primordial da polícia numa sociedade regida por direitos é a preservação de vidas, prioridade muito acima da prisão e mortes de bandidos. Princípios, inteligência, treinamento e competente supervisão devem objetivar risco mínimo a policiais e inocentes. Este é um desafio moral e de competência para governantes. Um ex-secretário da segurança na gestão Cabral disse que não se faz omelete sem quebrar ovos, ao se referir aos inocentes atingidos nas operações. Ágatha foi só o ovo da vez? —, questiona o espececialista, se referindo a José Mariano Beltrame, que foi secretário de segurança entre 2007 e 2016.

Na opinião do professor Leandro Piquet, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) um dos principais erros da polícia de segurança do Rio foi ter acabado com a Secretaria de Segurança Pública. A medida, a seu ver, deixou a Polícia Militar muito livre e sem nenhum tipo de inteligência do planejamento de suas ações. Ele criticou a forma como as operações são realizadas, com muita violência e em locais onde há muita densidade populacional, acarretando na morte de inocentes, como a menina Ágatha.

— Isso termina gerando situações de enfrentamento, trocas de tiros e é muito ruim, sempre. Não tem como questionar esses fatos. Deveriam usar esses dados para planejar ações de outra natureza. Eu acho que o Rio de Janeiro ficou preso numa armadilha. Ou é uma coisa do policiaamento comunitário, que nessas áreas também não funciona, ou é um tipo de intervenção de choque e força policial que também dá resultado. Esse tipo de operção que é padrão no Rio, com uma breve interrupção que foi a UPP, é um modelo muito fracassado. Não desorganiza o crime e gera essa estatística terrível. Falta um modelo tático adequado para enfrentar o crime nessas áreas — aponta o especialista que também corrdena a Rede Interamericada de Desenvolvimento e Profissionalização Policial, com a OEA.

O sociólogo Michel Misse, professor da UFRJ, chamou de “política do abate”, o que acontece no Rio. Na sua opinião, o que precisa mudar imediatamente para evitar novas mortes de inocentes é buscar o cuidado com as vidas indefesas.

— O próprio governador definiu a atual política de segurança do estado como política do abate. Este termo já define tudo o que se pretende para a segurança pública . Não pode o governador estimular o abate de pessoas que passou a ser a senha para os agentes públicos cometerem toda a sorte de barbaridades a que temos assistido. O que precisa mudar imediatamente é que se tenha mais cuidado com a vida das pessoas indefesas, na maioria das vezes pobres, que vivem em comunidades — disse Misse.

Na opinião da deputada estadual Renata Souza, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, o Estado não pode se comportar como “terrorista”, banalizando as mortes ocorridas nas favelas. Ela disse que não há polícia de segurança, mas de morte, no Rio. A parlamentar afirmou que no próximo dia 4 de outubro a comissão presidida por ela vai realizar uma audiência pública para debater o tema com as autoridades envolvidas, inclusive com a convocação do governador Wilson Witzel.

— O governador deveria ser responsabilizado perante o Tribunal de Haia por crime contra humanidade. O Estado não pode se comportar como terrorista. Não se pode banalizar as mortes que estão ocorrendo nas favelas do Rio. O assassinato de Agatha, além das outras crianças e jovens já vitimados, demonstra o equívoco da ação policial pautada no confronto, na guerra e no abate. Não há uma política de segurança em curso, há uma política de morte. Política de Segurança precisa está vinculada à prevenção, inteligência e investigação. O governador Witzel assumidamente provoca essas mortes quando dá licença para matar aos agentes de segurança. Inverte-se o papel do Estado que deveria resguardar a vida e proteger as pessoas — afirmou a parlamentar.

Diversos artistas recorreram às redes sociais para se manifestar sobre a morte. A cantora e compositora Zélia Duncan compartihou com as hastags #VidasNegrasImportam” e “a culpa é do Witzel” a fala de Aílton Félix avô materno da menina, em que ele critica a forma como ela morreu: “Atirou na kombi e matou minha neta. Isso é confronto? A minha neta estava armada por acaso para levar um tiro”, indagou. “Estamos enojados com essa política de extermínio. Isso é necropolítica genocida. Parem”, postou o ator Fábio Assunção.

“Tem muitas camadas de Brasil, de preconceito e de desigualdade quando o avô de Ágatha grita revoltado no vídeo que eu vi consternado como cidadão brasileiro de que ‘ela fazia inglês e balé’. Essa frase é complexa, tendo sido dita num país tão racista e tão assassino”, escreveu Kleber Mendonça Filho, diretor dos filmes “Bacurau” e “Aquarius”. “Ontem na cidade que eu moro, uma menina de 8 anos foi assassinada a caminho de casa. Ágatha foi vítima de uma política assassina. Nada justifica a morte de uma criança. Quem consegue viver nessa cidade e achar isso normal? Quem consegue não se revoltar?” manifestou a atriz Leandra Leal.

O roteirista e comediante Fábio Porchat compartilhou uma publicação do EXTRA sobre o caso e escreveu: “Se isso não te faz se revoltar com a atual administração do estado, eu não sei mais o que te falar.” A cantora Ludmilla também recorreu às redes sociais para se manifestar. “Toda solidariedade aos familiares da Ágatha, que tristeza cara”, postou a artista. “Um policial matar uma criança não gera qualquer comentário do PSL, do presidente, do governador ou do prefeito. Isso só vai acontecer se dois PMs homens se beijarem em público”, cobrou o youtuber Felipe Neto.

 

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