Artigo | Água é vida
Renata Souza (PSOL-RJ), deputada estadual do Rio de Janeiro, analisa o desmonte da companhia de saneamento do estado
Quase um ano depois da crise de 2020, e mais uma vez em pleno verão, parte da população do Rio voltou a sofrer ou com água de baixa qualidade, ou sem água.
Nesta situação delicada e revoltante, temos o impulso imediato de condenar a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), mas precisamos mergulhar mais fundo para entender as estratégias de desgaste e fragilização da empresa, seja no sucatemaneto dos serviços, seja na esfera simbólica, a de disputa de narrativas.
Em especial, pelo fato de nos últimos anos a Cedae ter sofrido sistematicamente com sucateamento e inviabilização dos seus serviços, cujo propósito óbvio foi o de desprestigiá-la e transformá-la em “única culpada”, para ser presa fácil em um processo de privatização.
Essa é a chave da questão à qual a população deve estar atenta. O fato é que, mais recentemente, suas administrações passaram a valorizar a geração de lucro na casa do R$1 bilhão ao ano, sem associá-lo ao investimento em sua operação.
Uma falsa visão que desconhece que a missão de uma empresa pública precisa ser a de levar água à população e não de gerar dividendos.
Enquanto estive à frente da presidência da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), participei efetivamente das discussões, pois o acesso à água potável é um direito básico da população e deve ser respeitado.
Em 2020, realizamos duas audiências públicas que reuniram moradores de favelas, organizações da sociedade civil, representantes da Cedae e seus trabalhadores.
Nos encontros ficou explícita que a transferência da distribuição de água à iniciativa privada vai resultar em aumentos de tarifa e prejudicar injustamente os consumidores, em especial, os mais pobres e de favelas.
Entendo que a produção e distribuição de água é função pública incompatível com a iniciativa privada. É um dever do Estado assegurar à população o abastecimento de água e destinação correta no saneamento.
Cabe recordar que tais direitos são reconhecidos pela ONU como fundamentais ao ser humano, como nos lembra dia de hoje, Dia Mundial de Água.
A cobiça do governo federal e das grandes empresas deslocou a Cedae para a condição de moeda de troca para a recuperação fiscal, numa afirmação da política neoliberal e privatista, que evoca a austeridade e pouco se importa com a população.
No apoio ao chamado saneamento financeiro do estado, passou a ser condição básica a entrega da empresa ao setor privado, como a garantia para o pagamento dos empréstimos com a União no Regime de Recuperação Fiscal, como anunciado inúmeras vezes pelo ex-governador do estado do rio de janeiro em declarações públicas.
No entanto, a água não é uma mercadoria, a água é um bem comum. Não podemos condicionar o acesso à água à capacidade financeira do consumidor. A distribuição de água potável não pode ser transformada em objeto de lucro!
Em um momento de crise sanitária sem precedentes, com mais de 292 mil pessoas mortas em todo o Brasil, nunca fez tanto sentido os cálculos de que cada real investido em saneamento gerem uma economia de R$ 4 reais em saúde pública.
Entre as indicações básicas no combate às contaminações pela covid-19 está a lavagem das mãos, com água. Se não há água para beber, como lavar as mãos?
Conclamo você leitor a se juntar na luta contra a privatização!
Em mais de 240 cidades de todo o mundo que privatizaram os serviços de água, os governos voltaram atrás e reestatizaram depois de experiências frustradas.
O que os governos precisam entender, em primeiro lugar, é que a água é uma questão de soberania. A boa prestação do serviço público não tem como se harmonizar com a visão da geração do lucro pelo lucro.
Água é vida.
Brasil de Fato